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REFLEXÕES
Diário de um Kimbanda

2/11/2021: UMBANDA & QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela

Inúmeros umbandistas, pais de santo da Umbanda, têm buscado pela iniciação na Quimbanda Nàgô. Ao chegarem, é quase que universal a descrição do processo pelo qual estão passando: um chamado da Quimbanda! Esse chamado é em verdade um impulso de reconexão com os primórdios da Umbanda onde – e muito distante do mito de Zélio de Morais e a fundação da Umbanda – Quimbanda não era apenas instrumento de demanda, mas a escora energética do terreiro umbandista. Táta Malembu diz:

Os espíritos que trabalham dentro da Umbanda recebem sacrifício; essa prática se perdeu no tempo, mas antes do embranquecimento da Umbanda sempre foi assim. Preto-Velho, Caboclo, Marinheiro e boiadeiro sempre tiveram sacrifício e assentamento. Em busca de um resgate a Umbanda se unir a Quimbanda não terá prejuízo algum. Na verdade ocorrerá um enriquecimento mágico. Foram os movimentos modernos de Quimbanda se proliferando pela internet que enunciaram essa ideia de que a Quimbanda é separada ou se opõe a Umbanda. Só que esses enunciados modernos nunca refletiram de fato a realidade do culto, que já era bem mais antigo e com raízes em um tempo que nem se imaginava ter internet. A Quimbanda Nàgô está proliferada em várias tradições: Jurema, Tambor de Mina, Candomblé e muitas outras, onde há um encontro entre tradições que se enriquecem. Antigos terreiros de Umbanda tinham seus quartos de Exu com assentamentos e realizavam sacrifícios.

Há muito tempo os kimbandas estão inseridos em muitos terreiros se vitalizando com o moyo que os diversos cultos de matriz africana e europeia têm a oferecer. Assim como Exu, os kimbandas também vão a todos os lugares.

   Quando Umbanda e Quimbanda estão operando em harmonia no terreiro não existe submissão de forças: os espíritos se respeitam; quando um umbandista torna-se um kimbanda ele leva para a Umbanda as armas da Quimbanda. Se hoje existem terreiros de Umbanda que não têm Quimbanda, não é porque isso nunca existiu dentro da Umbanda, mas porque essa conjunção alquímica foi perdida. E uma vez que o umbandista recebe o brajá imperial da Quimbanda Nàgô ele não o tira nos seus ritos de Umbanda. Ele é um kimbanda onde quer que vá, na «esquerda» ou na «direita».

25/10/2021: O PACTO & A INICIAÇÃO NA QUIMBANDA - Mameto Mwanajinganga

Muitos procuram por iniciação na Quimbanda por motivos diversos, mas poucos tem a noção de como esse pacto irá funcionar na prática após a cerimônia de iniciação.

   Quimbanda é necromancia! É através da ajuda dos Poderosos Mortos, os Exus e Pombagiras, que conquistamos a evolução e o alinhamento de nossa alma aqui na terra.

   Ao ser iniciado o kimbanda sabe alguma coisa sobre seu mestre tutelar, reino, povo, zona de atuação etc., informações genéricas e superficiais de seu guia. Ele faz o pacto sem conhecer profundamente seu Exu ou Pombagira tutelares; não sabe nem seu nome de vida, onde viveu, onde foi enterrado, sua história etc. Na medida em que a alquimia entre o Exu e o kimbanda realmente acontece, com o tempo ele passa a conhecer mais do mestre que lhe guia.

   Tipo assim: você faz um pacto com alguém que foi escolhido para te guiar, um ancestral seu mas que você não conhece direito; e por outro lado ele te conhece melhor do que ninguém. Isso produz uma aparente desvantagem. O que vai garantir que essa relação dê certo, que ela cresça e prospere?

  1. Confiança: a confiança é algo que damos a quem conhecemos de verdade, a quem acreditamos poder compartilhar o nosso kosmos.

  2. Lealdade: a lealdade nasce do compromisso, do espírito do pacto. É esse espírito que sustenta a força da aliança entre o kimbanda e seu Exu tutelar, a honradez entre ambos.

  3. Resiliência: a resiliência, a adaptação ao kosmos, aos intempéries da jornada na matéria, forja guerreiros nascidos no fogo da batalha, temperados pelo sangue do combate, a faca que se afia no atrito da pedra.

21/10/2021: A NATUREZA FEMININA DO DIABO - Táta Kamuxinzela

Eu já mencionei para vocês que a imagem de Maioral, o Diabo e Rei do Inferno, trata-se de um amálgama de totens arcaicos do sagrado feminino, por isso dizemos Baphomet ser uma deusa representada iconograficamente por uma legião de deusas antigas. O mal universalmente é considerado ser feminino em diversas culturas, que apresentam mitos com deusas ferozes e vingativas. A mulher desde tempos imemoriais expressa a mesma natureza ambivalente do sagrado: ele é boa, mas também é má. A feiticeira é tão requisitada para trabalhos de magia desde tempos imemoriais porque ela carrega um duplo-poder: tanto pode curar quanto pode ferir.

   Universalmente a mulher está conectada a terra, pois assim como o ventre feminino, a terra é fértil. Mas de igual modo a terra tem sido associada ao mal em muitas culturas e mitos. Por um lado a terra é fértil; é da terra, de suas profundezas, que nascem as colheitas e a grama verde da primavera. É da terra que vem o ouro, a prata e outros minerais preciosos ao homem. Mas por outro lado, a terra também está associada à morada dos mortos, a tumba fria. Veja Plutão, por exemplo, ele é tanto um deus da fertilidade quanto da morte. O Diabo como Plutão, associado às profundezas infernais da terra e o senhor da matéria (ou natureza), tanto representa no imaginário popular o mal e a morte, mas também fertilidade e sexualidade, um traço evidente nas supostas reuniões orgiásticas das bruxas e nos cornos que ele possui.

   Mitologicamente o senhor do submundo tem a característica de ser mau, ou pelo menos indiferente as questões humanas. Mas essa conotação maléfica está mais associada aos tormentos das almas nas profundezas, daí a ligação do mundo subterrâneo com o Diabo. No entanto o mal como o Diabo tradicionalmente é uma figura masculina. A razão disso é a suposta inferioridade da mulher, o que a impede de ser considerada ou representante de um dos princípios opostos da natureza do sagrado.

15/10/2021: A MAGIA DA ZUELA - Táta Kamuxinzela

Os pontos cantados na Quimbanda são fórmulas mágicas de movimentação do moyo (ou àṣẹ), a força vital que se quer acessar e colocar em movimento para determinado fim estabelecido pelo kimbanda. Eles são entoados em momentos especiais dentro do culto, como no sacrifício por exemplo. A Quimbanda Nàgô ensina antigas cantigas apropriadas entoadas durante o sacrifício, cuja finalidade é despertar o moyo contido no sangue para dar vida à vontade projetada pela faca.

   Na cerimônia de batismo na Quimbanda Nàgô é esperado que o espírito venha em terra, apresente o ponto de coroa e sua assinatura mágica (o ponto riscado). Hoje está perdida essa ideia do ponto de coroa ou ponto raiz e costuma-se cantar pontos diversos, antigos e recentes (às vezes formulados até por não-iniciados) para convocar o Exu tutelar. A tradição é cada Exu ou Pombagira revelar a sua assinatura e o cântico pelo qual o espírito será acessado. Aprende-se isso dentro de uma família!

   Em alguns textos disponíveis no nosso site destacamos o poder da fala como agente mágico. Esse poder, aliado a pontos cantados específicos entoados em circunstâncias também específicas, atua magicamente na forma de consagrações, imantações, maldições etc. Um sacerdote saberá quando utilizar cantigas alinhadas aos seus objetivos magísticos. Muitas dessas cantigas são compostas por palavras-chave que dão a cesso a força mágica que se quer comunicar.

10/10/2021: ÈṢÓ E ÀLÙWÀIÁ NA QUIMBANDA NÀGÔ - Táta Kamuxinzela

Èṣó (firmezas) e àlùwàiá (vultos ou bonecos) na Quimbanda Nàgô são tecnologias mágicas de comunicação e acesso aos Exus e Pombagiras. Suas codificações são distintas daquelas firmezas praticadas na Umbanda, porque a Quimbanda como legítima tradição iniciática possui chaves secretas que ligam e desligam essas tecnologias, ensinadas de boca a ouvidos.

   Na Quimbanda os àlùwàiá são recipientes de poder preparados para ancorar a força parcial de um espírito: mortos, encantados etc., mas ainda não são considerados receptáculos permanentes, os ojúbọ (assentamentos) de Exu ou Pombagira. Na Quimbanda Nàgô quando um kimbanda é iniciado verdadeiramente se diz: èmi ní ojúbọ exu mi nílé, quer dizer, eu tenho meu Exu assentado em casa; um kimbanda ao dirigir-se ao seu assentamento realizando sua codificação secreta de comunicação com Exu se diz: ó kúnlè níwájú ojúbọ, quer dizer, ele se ajoelhou em frente ao altar. Os assentamentos na Quimbanda são os altares dos adeptos, a zona de poder através do qual é possível acessar e ancorar a força plena do Exu. Veja meu texto O Espírito do Altar.

   No curso do batismo na Quimbanda Nàgô costuma se preparar um àlùwàiá na linha do Exu ou Pombagira tutelar, construído, encantado e imantado secretamente. Quando o adepto é então iniciado na Quimbanda, seu àlùwàiá é desfeito e dele se constrói o ojúbọ. Os èṣó, termo yorùbá que significa guarda, proteção ou guardiania são catalisadores energéticos para fins variados (descarrego, proteção, consagração de amuletos, talismãs e imagens etc.) cuja intenção é um acesso rápido a força das diversas linhas de trabalho da Quimbanda.

   Aprenda Quimbanda Nágô com quem é legitimamente iniciado, transmissor e feitor em uma família com raízes antigas.

01/10/2021: CABALÁ DE EXU: AUTORIDADE E AUTORIZAÇÃO - Táta Kamuxinzela

Quimbanda é tradição; por outro lado, tradição é transmissão. Isso significa que se você não recebeu de um mais velho o fundamento, dentro da relação iniciática estabelecida com seu feitor e mestre de Quimbanda, então você não tem nada efetivamente. Isso é tradição!

   A vida é algo muito importante na Quimbanda, como uma herança do culto banto. A vida é a encruzilhada onde os mortos podem cruzar a linha da morte e retornar a experiência da vida. É através dos vivos, o médiuns kimbandas, que Exu e Pombagira podem vir em terra trabalhar. É da força vital (moyò | àṣẹ) dos vivos que depende o trabalho dos Mestres Exus e Pombagiras em terra. Quando um táta-nganga transmite o àṣẹ da Quimbanda no curso da iniciação, esses dois fatores, morte e vida (o Exu e o kimbanda), trabalham uníssonos na transmissão. Na falta de um desses fatores fundamentais, não há transmissão na tradição de Quimbanda.

   A Cabalá de Exu é um oráculo da Quimbanda Nàgô, transmitido dentro de uma linha iniciática de autorização e autoridade espiritual. No curso de sua jornada de iniciação o kimbanda recebe de seu táta-nganga a autorização para trabalhar em nome do Povo de Ganga atendendo pessoas: é quando ele recebe a Faca de serviço e o oráculo. Imbuído de autoridade espiritual ele torna-se um sacerdote de Quimbanda a trabalho/serviço do Povo de Ganga.

   Receber as Cabalá de Exu é uma honraria dentro da tradição de Quimbanda Nàgô, quando o kimbanda torna-se autorizado em nome do Povo de Ganga para prestar serviços sacerdotais na Quimbanda Nàgô.

12/9/2021: UM RECADO AOS QUE DESEJAM INICIAÇÃO - Mameto Mwanajinganga (via postagem no Instagram)

Você não encontrará mestres perfeitos! Tire essa expectativa infantil da sua cabeça. Somos feitos de luz e sombras assim como nossos Mestres Exus e Pombagiras; eles nos inspiram. Nosso trabalho é familiar. Aqui operamos com equilíbrio.

   O Táta é o Sol e a Mameto é a Lua. O trabalho é em conjunto. Enquanto o Sol se mostra, a Lua trabalha o invisível, as sombras e a luz negra da noite. Mulher faz muita coisa, é mulher de domingo a segunda. As Mametos operam como filtros da casa. Nós sentimos o cheiro de cada um que entra. E se precisar ser dura, falar na cara, ser autoritária e rodar a baiana, nós faremos. Sabe porque? Porque nós sabemos a responsabilidade da verdadeira iniciação e o quanto a Quimbanda Nàgô é séria e disciplinadora. Nós devemos isso ao que ela fez por nós e nossa família, e isso é valioso.

   A Quimbanda é para Homens, pessoas fortes, responsáveis e maduras. Se em nossa Banda não há linha de iniciação, é porque seu Orí não está preparado para suportar a Coroa dos Maiorais. Aqui nós somos bode, criamos cascos grossos e estamos acostumados com melindres insensatos e muita ingratidão.

   Sua raivinha, dor de cotovelo, chiliques emocionais, chingamentos, fofoquinha, julgamentos, pouco importa! Não estamos preocupados em agradar ninguém. A preocupação é levar o legado de Maioral e capacitar pessoas a dividir o peso dos brajas da Banda conosco, assim como nosso Táta dividiu o dele a nós e assim por diante.

   Tudo tem um significado mágico, braja e chapéu não são enfeites, oráculo não é brinquedo e faca não é pingente. Faca não é pra crianças. Sacrifício em todos os sentidos é para os fortes, dispostos a superar os melindres internos para merecer a Coroa dos Maiorais: Sabedoria, Honra e Soberania!

7/9/2021: O KIMBANDA BRASILEIRO - Táta Kamuxinzela

O termo kimbanda é um vocábulo kimbundo que designa uma antiga posição sacerdotal nos cultos bantos; trata-se de um médico ritual e manipulador de forças vitais, um xamã curandeiro africano equivalente ao vocábulo congo nganga. Há uma distinção nos cultos bantos entre o kimbanda (médico ritual) e o muloji (vocábulo quimbundo) ou ndoki (vocábulo quicongo), feiticeiros cujas práticas objetivam malefícios.

   Com intenso intercâmbio entre as culturas africanas (bantos e yorùbás), brasileira (ameríndia) e europeia, a Quimbanda no Brasil desenvolveu-se em moldes muito parecidos ao rito congo do vodu haitiano (que possui amplas tecnologias mágicas para malefícios), fundamentalmente a linha denominada nàgô.

   O táta-nganga da Quimbanda Brasileira passou a incluir ambos os ofícios: o kimbanda (médico ritual) e o muloji (feiticeiro de malefícios), muito embora haja sacerdotes que descordem desse tipo de separação. Seja como for, o kimbanda no Brasil trabalha para cura ou para destruição.

   É interessante ressaltar a título de investigação etimológica, que entre o povo basanga do antigo Zaire o vocábulo kibanda é dado a um conjunto de mortos (obsessores) e o exercício de convocá-los para fins maléficos.

6/9/2021: EXUS DE COROA - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

Para começar, o termo coroa não é uma referência ao orí (cabeça/òrìṣà pessoal) da cultura yorùbá. Na Quimbanda Nàgô quando nós dizemos Exus de Coroa não queremos dizer que existem Exus ou Pombagiras no orí. O termo coroa se refere à realeza e nobreza espiritual, como uma coroa de rei que o kimbanda utiliza em seu reinado de Quimbanda, quer dizer, o reinado dos espíritos que compõem a sua Banda (família espiritual).

   Assim como a Coroa da Quimbanda é composta pelos três Maiorais, Lúcifer, Ashtaroth e Beelzebuth, a coroa do adepto é composta por três Exus tuterales, quer dizer, o casal de frente (frenteiros) e o guardião de fundos. Estes três Exus tutelares têm a função fundamental de alinhar o kimbanda ao caminho de seu destino (Verdadeira Vontade), a realização de seu potencial máximo.

   Os Exus de Coroa têm conexões diretas com os Maiorais, Lúcifer, Ashtaroth e Beelzebuth. O Exu tutelar (frenteiro) está conectado diretamente a Lúcifer e suas virtudes ígneas arquetípicas. Ele é Jóia da Coroa do adepto e sempre vem acompanhado de uma Pombagira consorte. A Pombagira tutelar (frenteira) está conectada diretamente a Ashtaroth e suas virtudes lunares arquetípicas.

   O Guardião ou Exu de Fundos trabalha diretamente com o casal frenteiro, protegendo o kimbanda pelos caminhos de seu destino, e está diretamente associado a Beelzebuth e suas virtudes solares arquetípicas. É incorreto dizer que a Quimbanda é de esquerda; a Quimbanda não é aleijada! Ela opera com o equilíbrio das forças solares e lunares que orbitam harmoniosamente ao redor de um eixo luciférico de individuação.

   A compreensão deste arcano hermético (e sua prática) leva ao que os alquimistas hermetistas chamam de realização da obra completa. A Trindade Infernal nos grimórios cipriânico-faustinos e que chegou até a Quimbanda brasileira conforma operações alquímicas singulares que envolvem os processos de dissolução e coagulação na alma do kimbanda.

5/9/2021: O CAMINHO DA FACA - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

A Quimbanda é o Culto da Faca, um instrumento mágico desenvolvido pelo homem – a partir de influência praeter-humana – para aplacar e superar a violência da natureza sobre ele. A Faca deu ao homem a possibilidade de evoluir da condição de presa subjulgada a condição de caçador obstinado, equilibrando as relações que estabelecia com a natureza e sua selvageria. De posse da Faca o homem adquiriu o poder de matar e sobreviver. A vida é a arte da sobrevivência! Somente quem chega a este entendimento está apto a solicitar sua entrada no Reinado do Chefe Império Maioral, o Diabo.

   A natureza é selvagem e implacável; ela grita: sem misericórdia. Somente os mais aptos, os guerreiros mais incansáveis, astutos e velozes, os verdadeiros devastadores das adversidades têm superado as tormentas e intemperes da vida. Estes foram forjados na guerra, na superação das forças da natureza e na aniquilação dos inimigos. A Quimbanda ensina que o uso da Faca, a arte de matar, confere a maestria da vida, porque ela é a chave para sobrevivência. Através da Faca o kimbanda aprende a superar os obstáculos da vida.

   A Faca é a arma mágica fundamental de um kimbanda, seu credo e sua religião. Ele compreende que empunhar a Faca é ser agraciado com uma dádiva sagrada, um poder sacerdotal. Para conquistar sua Faca de Obrigação, a primeira Faca entregue na Quimbanda Nàgô, o kimbanda deve despertar a violência, a virilidade e o instinto de combate no seu interior, rompendo com os trapos da ética e da moral judaico-cristã, cabrestos que inibem e reprimem o potencial inato do homem. Na Quimbanda a Faca é o Caminho, a Verdade e a Vida. É pela Faca que o kimbanda torna-se Mestre da Vida.

3/9/2021: TRABALHOS DE QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

Quimbanda é Magia Negra! É feitiçaria da terra, do Sangue e da Lua. É um chão onde deve se pisar com muito cuidado porque os mortos têm fome. Todo aquele que se aproxima da Quimbanda, seja por inocência, ignorância ou imprudência e sem as devidas precauções, está correndo grande perigo. Isso vale para todos: consulentes que solicitam trabalhos diversos e para candidatos a iniciação. As seguintes inquietações sempre nos são enviadas:

Garantias

trabalhos de feitiçaria não são produtos vendidos nas Casas Bahia; eles não têm garantias. Feitiçaria trata-se de manipulação energética. Qualquer obstáculo imprevisto, qualquer elemento mal calculado, pode resultar no fracasso total da operação mágica. Ansiedade, desconfiança, impaciência e outras tendências nocivas da mente têm impactos negativos no resultado dos trabalhos. Oferecer garantias de trabalhos realizados com sucesso é charlatanismo e estelionato.

Manutenção

Casos difíceis exigem cuidados e manutenção contínua até que os resultados sejam obtidos. Isso requer do feiticeiro persistência, paciência e dedicação aos casos, que às vezes podem levar meses para serem resolovidos. Esteja ciente de todas as implicações antes de iniciar uma jornada longa de trabalhos com um feiticeiro.

Tempo

Exu e Pombagira agem com habilidade dentro do tempo e do espaço. O tempo e o espaço são objetos de manipulação de Exu. Não há tempo previsto para ação mágica dos trabalhos e quanto maior for o zelo e o cuidado do feiticeiro tencionando as forças vitais do trabalho, maiores são as chances de tudo se resolver o mais rápido possível. Oferecer garantias de trabalhos realizados com previsão de tempo é charlatanismo e estelionato.

Confiança

Siga a risca as orientações que o feiticeiro lhe enviar, pois qualquer vascilo, uma palavra mal colocada, um celular deixado no lugar errado, um e-mail no computador esquecido aberto etc., qualquer ação relapsa do consulente pode levar a derrocada total de toda operação. Fazer a sua parte com diligência faz toda diferença no resultado final.

2/9/2021: INICIAÇÃO NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

O Batismo

O batismo na Quimbanda Nàgô é uma cerimônia de apresentação do noviço ao Chefe Império Maioral, seu reinado, e ao seu Exu tutelar. No batismo o noviço inicia sua relação com a Quimbanda e com seu Exu tutelar, buscando por uma aproximação e conexão profunda com ele. O batismo não é um pré-requisito a iniciação e espera-se que o noviço já traga seu Exu em terra nessa cerimônia. O noviço é instruído a iniciar um culto pessoal ao seu Exu tutelar através dos métodos da Quimbanda Nàgô, o que envolve técnicas de feitiçaria diversas e de desenvolvimento mediúnico.

A Iniciação

Na iniciação o noviço torna-se um neófito da Quimbanda Nàgô, quando efetivamente construirá alianças definitivas com o Chefe Império Maioral e seu Exu tutelar. É na iniciação que o pacto entre o neófito e o Exu tutelar é realizado e o espírito recebe um assentamento definitivo. O que antes no batismo foi o início de uma relação, a partir da iniciação ambos, o noviço e seu Exu, compactuam para um crescimento e fortalecimento mutuo.

A Faca de Serviço

A Quimbanda é o Culto da Faca! Ao receber sua Faca de Serviço o neófito torna-se um adepto da Quimbanda Nàgô, a partir de então com autoridade e autorização espiritual da Quimbanda para oferecer imolações propiciatórias para Exu e Pombagira. Na medida em que se desenvolve no culto o adepto recebe novas Facas Mágicas para trabalhos espirituais distintos. Seu crescimento no culto é mensurado por sua força, honra e lealdade para com seus irmãos kimbandas. Nesse estágio o adepto é considerado um guerreiro da Quimbanda, apto a lutar por ela através de sua Faca.

A Cabalá de Exu

Ao receber a Cabalá de Exu, o Oráculo da Quimbanda Nàgô, o adepto torna-se um sacerdote do Culto de Exu. Através do Oráculo e de posse de suas Facas, ele está apto a oferecer serviços sacersotais em nome da Quimbanda Nàgô. Trabalhos espirituais para diversos fins, a produção de medicinas mágicas (pós, banhos, poções), imolações rituais de animais diversos, limpezas e purificações. Mas ele ainda não tem autoridade ou autorização da Quimbanda Nàgô para iniciar novos adeptos.

Táta Nganga

O táta-nganga é um Mestre da Quimbanda Nàgô. Ele tem autoridade e autorização espiritual do Exu Rei de Ganga e de todo o Povo de Ganga para iniciar novos adeptos na Quimbanda Nàgô, promover programas extensivos de treinamento e desenvolvimento mediúnico, capacitação espiritual dentro do culto, e a feitura de novos táta-ngangas.

29/8/2021: VOCÊ CONHECE A QUIMBANDA NÀGÔ? - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

A Quimbanda Nàgô é uma das sete linhas de trabalho tradicionais da Quimbanda. Especula-se que se trata da vertente mais antiga de Quimbanda no Brasil, ou pelo menos uma das mais antigas. Ela nasce da miscigenação mágico-cultural de quatro culturas distintas: as dos bantos e dos yorùbás, do xamanismo ameríndio e do ocultismo europeu. Nos rituais da Quimbanda Nàgô existe, portanto, um equilíbrio sincrético que envolve a convergência dessas influências espirituais. A Quimbanda Nàgô foi:

  1. a primeira vertente de Quimbanda a ssociar a imagem do Diabo ao Chefe Império Maioral;

  2. a primeira vertente de Quimbanda a apresentar o ponto tradicional de trabalho do Chefe Império Maioral, o Diabo;

  3. a primeira vertente de Quimbanda a miscigenar Exus e Pombagiras com os demônios dos grimórios europeus;

  4. a primeira vertente de Quimbanda a associar a fundamentação magística de trabalho dos yorùbás a cosmovisão banto. Característica que acabou por batizar o nome da vertente.

A Quimbanda Nàgô é uma linha de trabalho do Povo de Ganga. A palavra ganga é uma derivação do termo multilinguístico banto nganga, associado à ideia de poder mágico. O nganga para os bantos é um ritualista curador, uma espécie de xamã ou pajé, um sábio detentor de conhecimento de mistérios ocultos, magia e comunicação com os mortos. Na Quimbanda Nàgô, o Exu Ganga ou Nganga trata-se de um espírito com extremo poder sobrenatural, portador de amplo conhecimento de magia e feitiçaria.

   Os espíritos que compõem essa linha de trabalho, o Povo de Ganga, em vida foram feiticeiros, magos, teurgos, xamãs, pajés, alquimistas, astrólogos e sacerdotes de muitos cultos, principalmente as quatro culturas mágicas que se miscigenaram para dar nascimento a Quimbanda Nàgô. Por conta dessa intensa confluência espiritual, a Quimbanda Nàgô possui uma fundamentação mágica muito similar a práticas rituais vodu provindas das culturas daomeana e yorùbá.

   Exu Gererê ou Exu Rei de Ganga como é conhecido na Quimbanda Nàgô é o Exu Primordial dessa Banda, responsável por sua fundação; trata-se de um espírito muito antigo conectado a deidades guerreiras, das águas (mares e rios) e das matas, espíritos diversos da natureza e dos mortos. Na Quimbanda Nàgô ele está conectado ao Reino Africano (e por esse motivo algumas vertentes que não operam com este Reino o classificam no Reino das Almas), mas com intensa atuação no Reino das Matas e da Calunga Grande (Praia).

   Existe uma hierarquia espiritual no culto que confere títulos e graduações iniciáticas: o noviço que apenas participou do batismo, o adepto que foi iniciado no culto, o sacerdote que recebeu a faca de trabalho e o oráculo, e o mestre que inicia e orienta novos iniciantes e adeptos. Não existe tempo para evolução hierárquica no culto, mas ela depende mais do merecimento, da honra e da lealdade do que de proficiência magística.

28/8/2021: UMA REFLEXÃO SOBRE O ORÁCULO E O ORACULISTA - Táta Kamuxinzela

Existe uma crença infantil e estúpida na cultura religiosa afro-brasileira: o teste do oraculista, bàbá, áwo, sacerdote etc. Essa ideia enraizada em nossa cultura, no entanto, não possui conceito equivalente na religiosidade africana. Na África banto e yorùbá o kimbanda ou nganga, o bàbáláwo são médicos rituais, curadores e livradores das mazelas da alma. Uma pergunta: quando nós vamos ao médico aqui no Brasil esperamos o doutor adivinhar o que está acontecendo conosco? Não! Nós dizemos: doutor, estou com dor de cabeça; estou com dores no estômago etc. Uma outra indagação: quando vamos ao médico nós confiamos no seu conhecimento técnico? Espera-se que sim, não é mesmo? Você não se cuidará com um doutor que não confia.

   Tanto em Ifá (bàbáláwo) quanto na Quimbanda (táta nganga), o oraculista trata-se de um médico ritual do espírito. A ele você confia os desesperos mais profundos da alma na esperança de cura e livramento espiritual. Então quando você o aborda com essa atitude tupiniquim de testá-lo para ver se ele é bom mesmo, então você não está apenas desrespeitando ele e a ancestralidade que o acompanha, mas também a sua. Essa é uma atitude que desrespeita o sagrado em tudo. Se você procurou um bàbáláwo no Ifá ou um táta nganga na Quimbanda, aborde-o com o mesmo respeito que daria ao seu médico particular.

   Existe uma cultura muita refinada que vem de Ifá: quando o bàbáláwo não conseguiu suprir as expectativas e anseios do consulente, ele pede ajuda a outros bàbáláwos, sem nenhum constrangimento. Quando isso acontece no Brasil o consulente, que chega doente das ideias, logo pensa que o oraculista é fraco. Além disso, os próprios oraculistas brasileiros não costumam ter a humildade de procurar outros sacerdotes para melhor atender e sanar as demandas dos consulentes que chegam. Esse é um padrão cultural tão enraizado que parece até regra. Mas não é!

27/8/2021: FEITIÇOS PRONTOS - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

Na Quimbanda Nàgô não existem fórmulas de bolo, quer dizer, apostila de feitiços. Isso significa que os kimbanda são orientados a caminharem com suas próprias pernas a partir do que é inferido no oráculo, a Cabalá de Exu. Não importa se fulano tem o «santo forte» ou um «exu guardião». Qualquer pessoa pode receber demanda, mesmo os mais protegidos e com as obrigações em dia. Se o oráculo dá caminho, então o kimbanda pode seguir em sua empreitada mágica.

25-27/8/2021: EXU & DAIMONES - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

O sincretismo entre demônios e os Exus da Quimbanda tem sido assunto controverso. Na tradição literária da Quimbanda (e Umbanda) duas interpretações concorrentes seguem juntas, apresentadas pelos autores paralelamente: 1. Exus são ancestrais; 2. Exus são demônios.

   Essas duas interpretações imperam até o presente. A Quimbanda Nàgô tem o fundamento do sincretismo de Exus com demônios através de rituais que criam uma interface entre os éteres (planos de atuação) dos Exus e dos demônios. A proficiência do feiticeiro em fazer essa interface dimensional, em criar esse «acesso», é o primeiro requisito. Por esse motivo se trata de uma prática para kimbandas avançados.

   A magia opera através da comunicação, do acesso que se estabelece entre dois ou mais planos de existência. O acesso cria uma interface que conecta esses planos, estabelecendo comunicação ente eles. Na Quimbanda esse fundamento tem sido simplificado (ou transmitido) pela palavra irradiação, o que se entende convocar o demônio para que ele trabalhe junto com o Exu tutelar.

   O procedimento magístico de fundamentar um Exu irradiado por outro espírito, um daimon (aqui podendo ser qualquer espírito: òrìṣà, deuses, demônios etc.) não é novo na cabalá crioula brasileira. Há casas de Candomblé, há famílias de Quimbanda Mussorubi que fundamentam Exus na força de òrìṣà.

   A Quimbanda é um culto para magos. Trata-se de uma legítima tradição de feitiçaria do ocultismo brasileiro. O kimbanda (banto ou brasileiro) é um ocultista, herbalista e imolador ritual. Interessado em temas como astrologia, alquimia, goécia, animismo, tribalismo, fetichismo etc.

   A tradição dos grimórios ciprianico-faustinos influenciou profundamente a conformação moderna do culto de Quimbanda, que não só assumiu uma simbologia iconográfica diabólica e sinistra, mas sincretizou Exus e Pombagiras com a demonologia dos grimórios.

   Na Quimbanda Nàgô esse sincretismo entre Exus e demônios trata-se de um processo iniciático reservado a adeptos mais avançados. Não utilizamos tabelas de associação entre Exus e demônios publicadas na literatura popular de Umbanda e Quimbanda. O trabalho é de caráter secreto e o kimbanda jamais revela quem é o seu diabo pessoal, o demônio associado ao Exu tutelar.

24/8/2021: O TRANSE NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela

O transe, a capacidade de ser tomado em êxtase pelo divino, tem sido uma ferramenta de comunicação espiritual desde os primórdios da civilização, e o encontramos como prática sacerdotal em diversas culturas autóctones, tradições e cultos de mistérios da Antiguidade.

   A cultura que dá estrutura e solidez a cosmovisão da Quimbanda é a religiosidade banto, onde o transe trata-se do eixo hierofântico do culto. Onde existe a influência religiosa banto existe incorporação. A Quimbanda é, nesse caminho, um genuíno culto de êxtase brasileiro (assim como a Jurema, a Umbanda etc.).

   O transe também está presente como ferramenta sacerdotal na cultura yorùbá e no xamanismo autóctone brasileiro. Em todas as tradições que influenciaram a formação do culto da Quimbanda o transe está presente como ferramenta fundamental de comunicação espiritual: por esse motivo não faz sentido nenhum NÃO INCORPORAR na Quimbanda.

   A Quimbanda não institucionaliza o transe. Isso significa que cada espírito é livre para manifestar-se como quer para o melhor aproveitamento de suas virtudes. Quanto mais livre é a mente do kimbanda, mais liberdade para trabalhar tem o Exu ou Pombagira.

   No transe a alma se alimenta. Quando um kimbanda está em transe ele se alimenta das virtudes e dos poderes do Exu ou da Pombagira; quer dizer, ele recebe em sua alma os poderes de seu mestre e guardião. Nesse processo ocorre a superação de medos, a cura de traumas e o desenvolvimento de potenciais inatos.

   No transe o kimbanda abre mão do espaço restrito do ego para alargar ou expandir a consciência. Isso tem um impacto profundo na sua maneira de agir e de ver o mundo, interagindo de forma mais ajustada com todas as suas forças mágicas (moyó).

   O transe é uma faculdade da alma e uma ferramenta de desenvolvimento espiritual. Através dele, das lições que aprendemos dos poderes que compartimos nele, lidamos melhor com as adversidades da vida e nos ajustamos no caminho de nosso propósito (Verdadeira Vontade).

   Na Quimbanda todos incorporam! Não existe a figura do ọgá (como indivíduo que não incorpora) na Quimbanda. O tocador de atabaque, de curimba etc., o sacrificador ou qualquer outro kimbanda, todos incorporam seus Exus tutelares.

   Não é preciso incorporar para ser iniciado na Quimbanda; mas é preciso incorporar para tornar-se um mestre e iniciador na Quimbanda. Caso um ọgá de Candomblé queira adentrar a Quimbanda, então ele passará por um processo de abertura e desenvolvimento da mediunidade.

21/8/2021: REGRAS DE COMBATE ESPIRITUAL - Táta Kamuxinzela (via postagem no Instagram)

O Espírito da Quimbanda nasceu dentro dos Quilombos; um ímpeto de insurgência e resistência que se estendeu as senzalas e a revolta dos malês. Uma «gira» de Quimbanda invoca esse espírito de revolta, resistência e guerra contra todos os inimigos. Quando os kimbandas se preparam para a gira eles amolam suas facas-rituais, firmam seus tocos e arrebentam a sapucaia. Quimbanda é para aqueles que decidiram empunhar a faca E combater.

A melhor parte de um combate espiritual é a vingança. O Espírito da Quimbanda, sua magia negra de ataque e destruição, nasceu dos negros, índios, bruxas e bandidos que se refugiavam nos Quilombos. Os toques ritualísticos dos Quilombos eram toques de guerra, insurgência e revolta contra dominação eurocentrista e religiosidade cristista opressora, castradora, escravocrata e acima de tudo, hipócrita. O Espírito da Quimbanda, genuína feitiçaria brasileira, nasceu dessa convulsão social. As giras de Quimbanda resgatam essa luta; são zonas de guerra onde seus adeptos procuram vencer as demandas e as adversidades da vida. Os feitiços da Quimbanda são carregados com o poder da vingança.

   Têm nascido novos olhares sobre a Quimbanda, distanciando-a de suas raízes, uma tentativa de embranquecimento e de apagar do imaginário brasileiro a luta dos heróis que irrigaram nossa terra com sangue e suor. Mas a Quimbanda, seus filhos genuínos, os «kimbandas» brasileiros, têm mantido a chama que hoje brilha radiante na coroa do Chefe Império Maioral, o Diabo!

20/8/2021: INCORPORAÇÃO NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via vídeo no Instagram)

A incorporação é uma ferramenta fundamental no culto de Quimbanda e o desenvolvimento dentro do culto depende dela. Não existe a ideia de não incorporar na Quimbanda; não existe no culto de Quimbanda o papel do ọgá (o sujeito que não incorpora durante os rituais para assumir várias funções administrativas e litúrgicas). A ideia de que o oráculo de Quimbanda é adequado para «esses caras» que não incorporam é completamente ABSURDA. Para conquistar a maestria na Quimbanda, e esse é o objetivo de todos os iniciados, tornarem-se mestres do culto, é absolutamente fundamental incorporar.

20/8/2021: ÉTICA NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via vídeo no Instagram)

A ética (ethos) da Quimbanda é baseada no comportamento da natureza e na Lei de Talião, não na falsa moral cristã escravocrata. Na feitiçaria da terra, da lua e do sangue a questão moral do indivíduo não é critério absoluto de legitimação ou deslegitimação, porque o autêntico feiticeiro não está sob o jugo da moral, mas sim sobre ela. Um genuíno feiticeiro domina bem e o mal sem ser dominado por eles; ele domina a linguagem e não é dominado por ela.

19/8/2021: MAIORAL NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via vídeo no Instagram)

Em um vídeo anterior eu havia dito que a interpretação do Chefe Império Maioral pelos quatro demônios regentes das forças elementais (Lúcifer, Ashtaroth, Beelzebuth e Belial) o explicavam de baixo para cima e que a Trindade Infernal (ou do Oposto: Lúcifer, Beelzebuth e Ashtaroth), por outro lado, o explica de cima para baixo. Eu também havia dito que a na visão da Quimbanda Nàgô, o Chefe Império Maioral é Cósmico, não apenas associado a «terra». Nesse pequeno vídeo-resposta eu tento resumir essas duas ideias.

19/8/2021: BATISMO NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via vídeo no Instagram)

O Batismo na Quimbanda Nágô é uma etapa pré-iniciação onde o noviço se aproxima da corrente mágica, mas não se vincula a ela definitivamente, podendo ainda, caso queira, seguir outro caminho. Nós chamamos de «noivado» porque se trata de uma etapa onde o noviço começará a conhecer o seu Exu tutelar, aproximando-se e criando intimidade aos poucos. Nessa etapa pré-iniciação o noviço recebe orientações espirituais orais para seu desenvolvimento mediúnico e magístico dentro do culto, na medida em que busca e merece.

17/8/2021: BANDA DE CASA - Táta Kamuxinzela (via vídeo no Instagram)

Banda de Casa é um termo pejorativo criado para denegrir àqueles que, instruídos por seus mestres ancestrais sem terem passado por um processo de iniciação na tradição de Quimbanda, oferecem serviços mágicos, mas que infelizmente dizem que seu trabalho é Quimbanda. Receber instruções espirituais de espíritos diversos e aplicá-las é a essência do caminho magístico, quer dizer, isso NÃO É ERRADO ou mesmo incoerente! No entanto, também NÃO É QUIMBANDA, porque a Quimbanda é uma tradição, um sistema e como tal, só está disponível através da Iniciação ou mesmo o Batismo.

16/8/2021: ASSINATURA E ICONOGRAFIA DE MAIORAL - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

Você sabia que foi a Quimbanda Nàgô (nos seus primórdios identificada como Kimbanda Nàgô), a primeira a delinear a assinatura e a iconografia diabólica do Chefe Império Maioral de todos os Infernos, consolidando e materializando definitivamente os símbolos hieráticos do imaginário brasileiro sobre Exu e Pombagira como nós os conhecemos: diabos?

   Aqui no site estamos nos esforçando em esclarecer a Quimbanda Nàgô como legítima tradição filha da diáspora africana e genuíno sistema de feitiçaria brasileira. Nossa intenção com esse site é servir de portal virtual de acesso a Banda de Exu Gererê, o Rei de Ganga. Nosso trabalho só está começando a abrir os caminhos através de uma densa mata fechada de ignorância total acerca de nossa tradição e costumes religiosos.

   A Quimbanda Nàgô é uma tradição de feitiçaria do Ocultismo brasileiro. Ela envolve a convergência de um tripé de confluências culturais:

1. o sistema de magia europeu, que envolve fundamentalmente a feitiçaria popular ibérica e a tradição dos grimórios cipriânicos-faustinos e a demonologia que os envolve, mas também as escolas tradicionais de magia da Inglaterra e França.

2. a feitiçaria autóctone de duas culturas africanas: primeiro os bantos e depois os yorùbás. A Quimbanda Nàgô mantém a estrutura de culto banto, mas com fundamentação mágica yorùbá.

3. a feitiçaria autóctone ameríndia do tronco tupi-guarani, ou xamanismo brasileiro como alguns propõem.

O Espírito da Quimbanda nasceu dos toques e rituais que ocorriam nos diversos Quilombos que misturaram dentro de um caldeirão fervilhante durante muito tempo a convergência das culturas mágicas citadas acima.

15/8/2021: A TEIA DA VIDA - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

Um kimbanda mensura a existência através da interação e da conexão de seus diversos padrões energéticos: ele compreende que todas as coisas, das seculares mais triviais as epifanias da alma, se conectam e interagem através de uma rede de energia, a teia da vida que sustenta a existência, que alimenta o potencial de vida em tudo, em todos. O nome dessa força mágica é moyó. Por conta dessa força mágico-espiritual que a tudo subjaz o kimbanda se vê conectado o tempo todo com o Sagrado, distanciando-se da noção cristista do religare. Um kimbanda não tem que religar, reconectar-se a nada, porque ele já está absolutamente ligado ao Sagrado e divino-profano desde antes de sua primeira respiração na matéria.

   Cada ação que fazemos cria um novo padrão de força nessa rede energética, se reverberando de muitas maneiras; e como a existência na matéria acompanha os ciclos da natureza, que sempre se renova, a reverberação das forças e padrões que criamos com nossos atos acabam por retornar a fonte, nós mesmos.

   Feitiçaria, a arte da Quimbanda, trata-se do ofício de manipular energia através de bases materiais. Leve o conhecimento acima para sua prática pessoal de Quimbanda.

4/8/2021: ATAQUES MÁGICOS - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

Eu sempre defendo a ideia de que a Quimbanda trata-se de um exercício individual de feitiçaria, uma busca pelo aperfeiçoamento e a geração do moyó pessoal. A feitiçaria de modo geral não está apenas conectada a cultura local de onde vivemos e os espíritos em nosso entorno, mas com o desenvolvimento de um culto pessoal e familiar, a formação de um clã. Os templos ou terreiros de Quimbanda são como clãs que têm como elemento central um conjunto de espíritos ancestrais, uma família espiritual. Os ritos de iniciação e de passagem, os sacrifícios propiciatórios, feitiços e makumbas de cada clã estão alinhados e fundamentados na família de espíritos ao qual pertence o kimbanda, a sua Banda.

   Quanto maior for o arranjo de técnicas conhecidas e utilizadas pelo kimbanda, testadas e conferidas na prática se funcionam ou não, irão compor seu arsenal individual de prática mágica; este arsenal individual auxiliará o adepto de Quimbanda a cultivar um profundo sentido de religiosidade, alimentando sua fé e crenças pessoais em Exu e Pombagira; produzirão o espírito da entrega e devoção ao Chefe Império Maioral, bem como o comprometimento com a expansão de seu reinado. O Culto de Exu é diário! Na medida em que o adepto se entrega fervorosamente a Exu todos os dias com fé e devoção, em contrapartida Exu o cobre com sua capa. Trata-se do desenvolvimento de uma relação que capacita e aumenta o quantitativo de moyó pessoal, para suportar as terríveis forças da Quimbanda.  

   A Quimbanda opera com forças mágicas terrivelmente poderosas. Nós costumamos dizer que nos encontramos no fundo do caldeirão, a região sub-lunar, onde o caldo de fluidez energética é mais quente e mais espesso. Para facilitar o entendimento de quem se atenta ao tema dos «ataques mágicos», esses podem ser de dois tipos: i. ácidos e ii. alcalinos. Por ataques mágicos ácidos definimos qualquer demanda de feitiçaria: maldições, sortilégios, bruxedos, encantamentos etc., qualquer vetor de força mágica projetado com intenção de penetrar e destruir a integridade do veículo pneumático da alma, modernamente chamado de corpo astral. São como flechas lançadas para danificar a estrutura energética que sustenta e protege a alma. Ataques mágicos alcalinos são àquelas forças que chegam na forma de inveja, olho grande, olho gordo, mal olhado, fofoca (correio da má notícia) etc. Esse tipo de ataque alcalino é como um abraço de tentáculos que gradativamente calcina a estrutura do veículo pneumático.

   Ataques mágicos ácidos se combate/protege com salvaguardas alcalinas; ataques alcalinos com salvaguardas ácidas. Contra inveja de todos os tipos, você pode procurar tomar banhos mágicos (maionga) de quebranto a base de cerveja, vinagre e enxofre, de constituição ácida; contra magia negra e feitiçaria, eleja uma disciplina de práticas que inclua banhos de descarrego a base de elementos alcalinos: casca de banana verde, folhas de pata de vaca, caju e goiaba. Esses elementos são facilmente encontrados e podem auxiliar bastante no equilíbrio e harmonização da energia.

   Os banho mágicos (maionga) da Quimbanda, rezados e encantados, devem ser utilizados com cautela e responsabilidade segundo a força ígnea (ácida) ou a força fria (alcalina) das plantas. A tradição oral da Quimbanda Nàgô traz o fundamento da manipulação energética das folhas segundo sua temperatura: folhas quentes ou folhas frias para banhos quentesfrios ou mornos (não necessariamente indicando a temperatura da água). Essa manipulação energética também fundamenta o sakulupemba, a limpeza energética do sacudimento de folhas.

2/8/2021: MOYÓ - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

Você sabe o que é moyó? Embora a Quimbanda Nàgô faça uso da ideia ou conceito de àṣẹ na compreensão dos yorùbás, mantendo a estrutura e cosmovisão banto de culto (adaptada a cultura brasileira), a ideia de moyó é fundamental na Quimbanda, porque é essa força de vida que alimenta a conexão do kimbanda e seus tutores espirituais, os Exus e Pombagiras. Moyó é uma teia de conexão, porque conecta o kimbanda aos seus ancestrais divinizados e ao complexo fluxo da Natureza, proporcionando conexão e interação saudável com o mundo. Moyó é vida; sua compreensão e manipulação é uma celebração da vida, porque redefine a comunicação que estabelecemos com a natureza, com os mortos, com os vivos e com o cosmos.

   Moyó, a força ou fluxo vital da existência, propõe o entendimento de que os fluxos de força vitais se cruzam e se entrelaçam formando uma teia que subjaz absolutamente tudo, provendo estrutura para a própria vida. Aqui no site (aba sobre iniciação) eu mencionei que a Lei do Retorno trata-se de uma construção cultural, religiosa e idealista, diferente da Lei de Causalidade, presente na vida de todos. O entendimento de moyó provê uma profunda compreensão da Lei de Causalidade, pois pressupõe que todas as ações humanas têm um impacto profundo cuja força se reverbera nessa teia de vitalidade, afetando todas as relações com a vida, com o cosmos. Compreender e viver o moyó é trabalhar para equilibrar e harmonizar a nossa relação com a vida, com o cosmos, entendendo sua grandeza e nosso papel nela. Então todas as relações humanas e sociais, toda interação com a natureza, seus espíritos e com os mortos, faz parte de um grande fluxo de vida que pode ser afetado por nossas ações. Essa perspectiva da existência humana a partir do moyó, o vitalismo que a tudo subjaz, muda completamente o comportamento do kimbanda frente à vida.

   Gostou desse tópico? Então leia o artigo Força Vital.

28/7/2021: QUIMBANDA NÀGÔ - Táta Kamuxinzela (via Twitter)

O termo nàgô colocado depois de Quimbanda indica a fundamentação prática de feitiçaria através do qual os kimbandas dessa vertente têm acesso aos Exus e Pombagiras. A Quimbanda Nágô recebe da cultura yorùbá somente a fundamentação prática de culto e sua metalinguagem, mas não a filosofia, cosmovisão ou estilo de vida yorùbá. Muito pelo contrário, a Quimbanda assume posicionamentos fortes perante a vida completamente antagônicos a filosofia e estilo de vida yorùbá, porque seu Espírito nasce da revolta indignação de homens e mulheres marginalizados, criminalizados e estigmatizados, fugitivos dos colonizadores e escravagistas europeus. Os espíritos que alimentam a Quimbanda Nàgô não são espíritos nàgô; são Exus e Pombagiras do Povo de Ganga.

   As pessoas são levadas a acreditar indevidamente que pelo fato de nossa vertente ser caracterizada – porque é isso que é, uma caracterização – nàgô, nós assumimos todas as crenças religiosas e aspectos culturais dos yorùbás. A fundamentação do culto é nàgô, mas a Quimbanda mantém, no contexto de adaptação brasileira, a cosmovisão banto, cujo trabalho central é a comunicação espiritual com nguluve (ancestrais), intermediários entre os homens e as criaturas espirituais. Por esse motivo, algumas famílias de kimbandas têm se aproximado mais da Religião Tradicional Africana (RTA) na intenção de resgatar antigas origens banto.

   Danilo Coppini expressa bem a confluência mágico-cultural da Quimbanda como genuína tradição de feitiçaria brasileira: Brasil, terra formada por muitas etnias, local escolhido por antigos Deuses para uma fusão sociocultural, onde as raças se misturaram formando novos credos e cultos, onde ameríndios, africanos e europeus deixaram a rigidez de suas formações primárias e deram vazão ao novo, ao desconhecido e ao desbravador. (Apostila do Workshop Exu e Pombagira no Xamanismo).

   A Quimbanda é filha desse novo cultural que fala Danilo, esse novo credo que nasceu em nossa terra através de uma confluência multicultural. Ela não se enquadra e jamais se enquadrará dentro das rígidas fronteiras da cultura yorùbá.

24/7/2021: LINHAS, REINOS E VERTENTES DE QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via Twitter)

As Linhas de Quimbanda são agrupamentos de espíritos. As vertentes de Quimbanda são sistemas que oferecem ferramentas para nos conectarmos com estes agrupamentos. As denominações dessas vertentes caracterizam as particularidades dos distintos sistemas. As Sete Linhas de Quimbanda foram a primeira tentativa de se classificar um conjunto de linhas de trabalho bem mais amplo que já vigorava em diversos terreiros, mas sem estrutura, quando não havia uma divisão muito clara onde terminava por exemplo o Reino das Almas e começava o Reino do Cemitério. Com o tempo as Linhas de Quimbanda se organizaram em povos distintos distribuídos em reinos de atuação. Algumas linhas de trabalho acabaram se conformando em vertentes de Quimbanda, com métodos próprios. A Quimbanda Nàgô originalmente agregava o Povo de Ganga do que se conveniou chamar primeiro de linha, em seguida de povo e finalmente de Reino Africano, um conjunto de espíritos ancestrais de antigos kimbandasmulojisndokis e ngangas. A Palavra ganga vem de nganga, termo que designa sacerdócio ritual, mas também espíritos de mortos ou assentamento de mortos. Das linhas se desenvolveu a ideia de povos e de reinos e no curso desse desenvolvimento nascia o sistema e estrutura da Quimbanda. A Quimbanda Nágô é um exemplo genuíno desse desenvolvimento de linhas, reinos e vertentes na Quimbanda. Todas as linhas de trabalho, no entanto, respondem dentro dos diversos sistemas, as vertentes tradicionais de Quimbanda.

   Nos textos Quimbanda Nágô e Exu Rei de Ganga eu mencionei que as linhas de trabalho se cruzam e se conformam distintamente de variadas formas dentro das famílias da Quimbanda Nàgô, por exemplo, os Caboclos Quimbandeiros respondem no Reino Africano e no Reino das Matas; esses dois reinos estão profundamente associados dentro da Quimbanda Nágô e da Quimbanda Mussorubim, de formas bem distintas. A Linha de Caboclos Quimbandeiros já foi chamada de Quimbanda de Caboclo em casas e terreiros onde só Exus de matas trabalhavam, o que levou a criação ou designação Linha dos Caboclos Quimbandeiros.

   O Espírito da Quimbanda é um organismo vivo. Ele engendra, se adapta ou se conforma em acordo com o seu ambiente, da mesma maneira que o homem primordial aprendia a se adaptar aos intemperes do tempo, das estações. É assim, dissolvendo e coagulando que a Quimbanda vem sobrevivendo ao tempo, se transformando e se estruturando como sistema; é assim que a ideia de linhas de trabalho se desenvolveu em povos e reinos de Quimbanda.     

17/7/2021: A FACA NA QUIMBANDA NÀGÔ? - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

Duas postagens, excertos de um ensaio em breve disponível no blog

   A Quimbanda é uma tradição espiritual para Homens. O indivíduo, cansado e calejado pelas lutas e batalhas que vem travando no caminho, no percurso ou na jornada de sua alma em direção à sabedoria, decide mudar a sua realidade, a natureza em seu entorno. Universalmente o caminho da feitiçaria em todas as culturas foi perseguido com essa finalidade também universal: a necessidade de mudar a dura natureza da vida, a realidade selvagem que circunda a todos nós. A Quimbanda é um culto para Homens porque crianças não carregam facas; apenas àqueles dispostos a caçar, a matar e sacrificar, a guerrear e lutar, empunham facas. A Quimbanda é para àqueles que desejam se tornar Mestres da Vida, que há muito tempo largaram as velhas doçuras, para se dedicarem a maestria da vida e a obtenção do propósito derradeiro dela, a Verdadeira Vontade. A principal arma mágica de um kimbanda é a faca porque ela, além de dividir a ação do orí da ação torpe, medíocre e hipócrita, de separar a vida da morte, de dar direção à projeção da vontade por meio da mente unidirecionada, também carrega uma herança ancestral. E àqueles capazes de resgatar essa herança ancestral de combate e sobrevivência têm um genuíno apreço pela faca, porque reconhecem seu espírito divino e sua força ancestral. A faca é um totem mágico de guerra e de sobrevivência. Esse totem tem o poder de ressuscitar a resistência dentro de cada kimbanda; sua posse através da Mão de Faca é um divisor de águas, porque assassina o falso ético, o hipócrita e o moralista que vive em cada um de nós e ressuscita o guerreiro selvagem e desmisericordioso que jazia oculto sob os escombros das construções sociais que carregamos. A Natureza é selvagem. A faca desperta a selvageria implacável da Natureza dentro de nós.

   Este caminho trata-se de tomar as rédeas da sua vida e conduzi-la nos seus termos, exercendo plenamente sua individualidade, sua Verdadeira Vontade. A faca sacerdotal separa a vida da morte, o comportamento honroso do comportamento de gado, a mente concentrada do pensamento disperso, o silêncio do tumulto, o sacerdote do homem comum. Por esse motivo, possuir uma faca consagrada e imantada ao trabalho sacerdotal do Povo de Ganga, a Quimbanda Nàgô, é uma honraria espiritual e para possuir o direito de portá-la é preciso ter honra.

15/7/2021: QUIMBANDA NÃO É SINÔNIMO DE MAL CARATISMO - Táta Kamuxinzela (via Twitter e Instagram)

Em uma postagem no Twitter eu acabei de escrever: Estar acima da moral e da dicotomia maniqueísta bem-mal não significa ser mal caráter. É a moral cristista que classifica o kimbanda e suas ações magísticas como mal caráter. Não há sakulupemba (sacudimento com folhas) que limpem o mal caráter. Mal caratismo não é ensinando na Quimbanda. Para completar esse opúsculo de meditação, uma antiga postagem no Instagram:

   O termo kimbanda é um vocábulo kimbundo que designa uma antiga posição sacerdotal nos cultos bantos; trata-se de um médico ritual e manipulador de forças vitais, um xamã curandeiro africano equivalente ao vocábulo congo nganga. Há uma distinção nos cultos bantos entre o kimbanda (médico ritual) e o muloji (vocábulo quimbundo) ou ndoki (vocábulo quicongo), feiticeiros cujas práticas objetivam malefícios. Com intenso intercâmbio entre as culturas africanas (bantos e yorùbás), brasileira (ameríndia) e europeia, a Quimbanda no Brasil desenvolveu-se em moldes muito parecidos ao rito congo do vodu haitiano (que possui amplas tecnologias mágicas para malefícios), fundamentalmente a linha denominada nàgô (banda ou nação de Exu Gererê, o Rei de ganga). O sacerdote ou táta-kimbanda da Quimbanda brasileira passou a incluir ambos os ofícios: o kimbanda (médico ritual) ou nganga (sábio, mestre, sacerdote) e o muloji ou ndoki (feiticeiro de malefícios), muito embora haja sacerdotes que discordem desse tipo de separação. Seja como for, o kimbanda no Brasil trabalha para cura ou para destruição. E é interessante ressaltar a título de investigação etimológica, que entre o povo basanga do antigo Zaire o vocábulo kibanda é dado a um conjunto de mortos (obsessores) e o exercício de convocá-los para fins maléficos.

   Na Quimbanda Nàgô é inaceitável qualquer dogma ou moral travestida de ética pós-Tomás de Aquino. O Povo de Ganga, a Banda ou Nação do Exu Rei de Ganga, é composta por antiquíssimos ngangas, espíritos de sacerdotes e feiticeiros, caçadores e guerreiros africanos de tempos arcaicos e de escravos capturados e trazidos a força para terras brasileiras. Esses espíritos em vida foram forçados a trabalhar, tiveram suas vidas e culturas dilaceradas, catequizados e obrigados a reverenciar Cristo e os símbolos cristãos. Esses escravos revoltados, fugidos e reagrupados no Quilombo, combateram as regras de Cristo, ou pelo menos àquelas criadas pela Igreja de Roma. Seus espíritos, os Gangas da Quimbanda Nágô, Exus e Pombagiras, mantêm viva a chama dessa luta e resistência. É inadmissível, portanto, aceitar qualquer regra, dogma ou código de moral que venha da cosmovisão cristista, ou mesmo os adjetivos pejorativos que essa mesma cosmovisão impinge sobre as atividades do kimbanda.

   O kimbanda e sua arte de feitiçaria estão além da dicotomia bem-mal, do maniqueísmo profano-sagrado, da razão certa-errada; o kimbanda mensura suas ações em quantitativos energéticos. O que um kimbanda deseja em níveis energéticos está iconograficamente representado na imagem do Chefe Império Maioral, uma alquimia e equilíbrio perfeito do quantitativo energético; é por isso que essa ideia tola e discrepante de forças de esquerda e de direita não existe na Quimbanda, porque da Primeira Encruzilhada de Fogo, quer dizer, o Chefe Império Maioral, o Diabo, vem um torrencial de energia perfeitamente equilibrado. O Bode Preto então torna-se um símbolo sagrado na Quimbanda, pois ele é a imagem par excellence da deificação da alma. Nas palavras de Exu Pantera Negra: todos devem buscar se tornar um Bode Preto.

   A magia negra da Quimbanda não tem absolutamente nada a ver com mal caratismo, cafajestismo, picaretagem, peculato etc. A magia negra tomba, mas também levanta e o kimbanda é, antes de tudo, um curador de almas. A Quimbanda é para Homens que querem se tornar Mestres da Vida. Ninguém alcança isso com falta de honra e mal caratismo.

14/7/2021: NÃO EXISTE BÀBÁLÒRÌṢÀ NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via vídeo no Instagram)

Pode ser que um zelador de òrìṣà, um elégùn devidamente treinado, seja também um táta-nganga de Quimbanda, mas não existe o ofício ou zeladoria de òrìṣà na Quimbanda. A Quimbanda é um culto de mortos divinizados, popularmente conhecidos como entidades - muito embora eu prefira outros termos. Na Quimbanda as entidades, os Exus e Pombagiras, podem ser assentados na força de òrìṣà. Existem muitos Exus e Pombagiras assentados assim para trabalhos específicos; e embora recebam nomes que lembram òrìṣà, como ògún-megê, não são, de fato, òríṣà.

   Isso é importante ficar claro: bàbálòrìṣà é ofício de zeladoria sacerdotal de culto a òrìṣà. Na Quimbanda os mestres-sacerdotes são chamados pelo título hierárquico de seus mestres tutelares: táta-ngana. A palavra nganga é um termo multilinguístico banto que designa um ritualista tradicional; no quicongo o nganga é um sábio, um mestre, um sacerdote que se comunica com os ancestrais divinizados, intermediários entre ele (o indivíduo) e as forças divinas. O termo táta na Quimbanda é utilizado da mesma maneira que é ainda utilizado nas famílias cabulistas: trata-se de um título do espírito, não do médium. Quem é táta é o Exu tutelar do Mestre de Quimbanda. Veja meu texto no blog: Existe Pai na Quimbanda?

13/7/2021: EXISTE PAI NA QUIMBANDA? - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

Complementando o texto do blog Existe Pai na Quimbanda?, uma reflexão editada sobre o tema:

   A iniciação na Quimbanda Nàgô não trabalha com a ideia hierática do nascimento espiritual. O iniciado não é tratado como uma criancinha que precisa aprender a engatinhar, andar e correr. A ideia de nova vida após a iniciação não se refere a nascimento espiritual, mas a alquimia de transformação pessoal, tanto na vida secular quanto a vida espiritual; podemos ilustrar isso com um símbolo ancestral: a borboleta. Este inseto não nasce e se desenvolve como borboleta; para sua existência é requerido um processo de transformação total; o que antes rastejava ganha asas para voar. Na Quimbanda você não nasce e começa uma nova vida; não se trata de um culto para criancinhas que precisam aprender a andar. Na Quimbanda a vida velha, profana e torpe, a mente confusa, desfocada e o comportamento desonroso são transformados e superados; trata-se de um culto para homens que desejam obter a maestria da vida. Para isso é requerido já ter nascido, há muito tempo.

02/7/2021: A MORALIZAÇÃO DA QUIMBANDA? - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

Ideias como fazer amarração é uma falência moral dentro da Quimbanda vem de mentes subjugadas ao sistema, prezas ao dogma e moral crististas. Quimbanda é avessa a moral e ao dogma crististas que imperam na sociedade brasileira, é por isso que ela se mantém a margem, no subúrbio, na favela, no morro. Onde existe essa bravata de Quimbanda moralizada de fato não existe Quimbanda, a subversão de Exu e a sexualidade dinâmica de Pombagira.

   Quimbanda e contracultura. Os kimbandas estão acima do certo e errado, do bem e do mal, da moral ou imoralidade. Como genuína herdeira da tradição da magia, a Quimbanda e seus adeptos se revoltam e se insurgem contra as regras cagadas do sistema religioso vigente. O mago, o feiticeiro, seja nos papiros gregos ou nos grimórios cipriânico-faustinos, seja na Europa, África ou Américas, sempre foi um agente se subversão social.

30/6/2021: O VALOR DA IMERSÃO NA QUIMBANDA - Táta Kamuxinzela (via Instagram)

A Quimbanda é uma tradição de feitiçaria ancestral brasileira que vem crescendo sob muitos olhares, assim como foi com a Umbanda. Isso ocorre porque a cosmovisão banto (que alimenta a Quimbanda e a Umbanda) é inclusiva e bem menos radical que a cultura nàgô-yorùbá. Isso permite que a Quimbanda congregue novos olhares, assimile novas práticas e quando necessário, se desfaça de antigos dogmas, até porque essa abertura que a cosmovisão banto propõe extirpa dogmas que acorrentam a visão espiritual e fecham as portas da percepção. Quando nós dizemos que 1. Quimbanda é liberdade e; 2. A Quimbanda liquidifica e expele dogmas criados dentro do seu sistema, essas injunções estão completamente baseadas no modo banto de ver e perceber a realidade e a espiritualidade. Por outro lado, a Quimbanda nasce em uma encruzilhada, em um encontro entre criminosos proscritos que não aderiram à soberania dos dogmas cristãos: fugitivos negros africanos, índios brasileiros cativos e bruxas europeias exiladas. Dos Quilombos a Cabula e a Macumba, nasce a Quimbanda constituída por uma horda de espíritos dos mortos avessos ao dogma e a moral judaico-cristã.​

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