O Diabo Pessoal: o Segredo da Goécia

Nota: esse texto foi publicado no site Filosofia Oculta junto ao seu vídeo. Ambos foram revisados e editados para apresentação que se segue. O motivo para sua republicação é para sanar algumas dúvidas muito interessantes sobre a associação dos demônios da Goécia e os Exus da Quimbanda. Respondendo objetivamente, nós na Quimbanda Nàgô não escolhemos demônios para sincretizar com Exus como se estivéssemos escolhendo um prato em um menu. Não utilizamos, portanto, tabelas como àquelas disponibilizadas por Aluízio Fontenelle e reproduzidas em diversas publicações desde então. Saiba o porquê lendo o texto e assistindo o vídeo.
Apresentação
Muitos praticantes de magia tradicional salomônica com foco na arte da goécia têm dificuldades em saber identificar qual o demônio tem mais afinidade consigo mesmos para obterem sucesso em sua prática. Por falta de magos competentes dispostos a ensinar, muitos praticantes são levados ao erro por selecionarem aleatoriamente demônios da goécia, observando somente as suas especialidades e não a afinidade entre o demônio e o praticante; no entanto, é exatamente isso que proporciona resultados eficazes nas evocações mágicas da goécia: a afinidade entre o mago e o demônio. Esse é um dos motivos, também, porque alguns praticantes têm resultados eficientes com alguns demônios e outros não. Esse é o Segredo da Goécia: conjurar um demônio que tem melhor afinidade consigo mesmo, com sua personalidade e características pessoais, não a escolha aleatória de demônios. Por meio da configuração do céu no momento de seu nascimento, é possível descobrir quais as hierarquias demoníacas (Reis, Duques, Presidentes etc.) e qual o Diabo Pessoal mais próximo de você. Dessa maneira, conjurando os demônios que têm mais afinidade com você, será possível obter êxito mais facilmente em um curto espaço de tempo.
É seguindo essa ideia que associamos demônios a Exus ou Pombagiras. Em nossa família esse trabalho de sincretismo mágico requer conhecimento de astrologia, alquimia e magia cerimonial por parte do kimbanda. Por outro lado, o Alto Comando da Casa de Pantera Negra orienta que este seja um trabalho exclusivo dos Mestres de Quimbanda e seus espíritos tátas.
O Diabo Pessoal: o Segredo da Goécia
A goécia salomônica é um sistema de feitiçaria conectado a tradição salomônica medieval e opera por meio de uma fórmula mágica conhecida como Conhecimento & Conversação com o Espírito Tutelar. Como tenho demonstrado em diversos escritos, livros e vídeos, essa é uma fórmula mágica de escopo universal, presente em muitas culturas e tradições espirituais desde a aurora do homem. Dentro do que se conveniou chamar de tradição salomônica ou magia tradicional salomônica, essa fórmula mágica apareceu em O Testamento de Salomão, um texto que data dos primeiros séculos de nossa era e é considerado o inaugurador da tradição salomônica. Neste texto Salomão toma e faz do demônio Ornias um servidor mágico. Através de Ornias ele teve contato com uma legião de demônios. Essa é a estrutura da fórmula: um mago conjura um espírito da Natureza e através dele, de seus poderes e autoridade espiritual, convoca outros espíritos da Natureza para todos os fins que desejar. Na tradição da magia, obter o auxílio de um espírito assistente sempre foi um dos requisitos mágicos fundamentais na carreira magística, pois é através dele que o mago obtém acesso a outras criaturas espirituais.
Dentro da tradição salomônica essa fórmula foi transmitida ao Tratado Mágico de Salomão, no entanto, os magos bizantinos que preservaram muitos dos arcanos mágicos perdidos da Tradição Ocidental de Mistérios, não deram muita atenção a ela, por esse motivo quando os primeiros grimórios gregos foram traduzidos para o latim, ela manteve-se oculta como um pano de fundo em grimórios salomônicos posteriores como a Chave de Salomão e o Lemegeton. Mas a fórmula está ali, oculta, secreta e fundamental ao exercício proficiente da feitiçaria salomônica. No Lemegeton muitos dos demônios são listados com a qualidade de oferecerem bons familiares para o auxílio do mago. Infere-se por isso que a ideia do espírito tutelar manteve-se viva nos grimórios salomônicos e modernos. Em meu livro DAEMONIUM (No. 1) eu explico a técnica:
A arca de bronze é usada para tornar os demônios cativos e familiares, já o triângulo da arte serve para colocar o demônio em prontidão, uma atitude interna apropriada a servir e trabalhar sob as ordens do mago. Tecnicamente a arca deve ser utilizada antes do triângulo da arte e isso é algo que você não encontrará nos livros modernos que tratam do assunto, mas está em perfeita harmonia com a visão da feitiçaria dos grimórios. O exemplo abaixo ilustrará de forma mais efetiva:
Imagine que a arca de bronze é um grande curral onde o fazendeiro (mago) coloca os cavalos bravos (daimones) do campo (corpo de Deus) que estavam livres na natureza. O fazendeiro vai lá no ambiente dos cavalos bravos, o campo, e os laça, levando-os a força para dentro do curral. Uma vez dentro do curral, os cavalos bravos são açoitados, amansados, adestrados, treinados e alimentados. Depois que o fazendeiro treinou, adestrou, alimentou e tornou submissos os cavalos do curral, então ele irá selecionar um dentre eles e levará para fora do curral, onde colocará nele uma cela e arreio (o triângulo da arte) e o montará, comando-o a seguir um curso adequado e apropriado aos fins do fazendeiro.
A arca de bronze, portanto, serve para tornar os daimones [i.e. os demônios] da natureza que não possuem pactos com os homens submissos ao mago que, através do triângulo da arte, os comandará a fazerem a sua vontade. E é por isso que essa goécia ensinada na magia moderna trata-se só de psicurgia e efetivamente não funciona, é a arte dos tolos. Antes de confinar um demônio no triângulo da arte, ele deve ser preparado dentro da arca de bronze. A arca de bronze é o equivalente a lâmpada para aprisionar os djinns dos mulçumanos ou o baú (caixa preta) da feitiçaria crioula.
Mas muito embora essa fórmula mágica do espírito tutelar estivesse oculta na tradição erudita dos grimórios, ela manteve-se viva na feitiçaria popular européia, quando desenvolveu-se a ideia de demônios como espíritos familiares. A história está repleta de feiticeiras que carregavam a marca do Diabo, a cicatriz do machucado através do qual elas alimentavam seus diabretes. Veja o texto em breve publicado A Herança da Feitiçaria Ibérica na Quimbanda.
Embora seja um ideia pagã, essa fórmula mágica aparece mascarada sob uma cosmovisão neoplatônica-cristã na Magia Sagrada de Abramelin, o Mago. Na magia de Abramelin o mago deve empreender uma dura disciplina para poder obter de Deus o auxílio do Sagrado Anjo Guardião. Uma vez conquistada a meta, por meio do Sagrado Anjo Guardião, seus poderes e autoridade espiritual, o mago conjura diversos demônios para todos os fins. Veja meu texto A Goécia de Abramelin.
A chave de Salomão, o verdadeiro segredo de sua magia, como apontei no texto As Origens da Tradição Salomônica, é a autoridade que Deus confere ao mago sobre as criaturas espirituais da Natureza. Essa é uma ideia baseada e desenvolvida a partir do Primeiro Livro de Reis, mas como uma substituta para ideia original do espírito tutelar e do poder magístico das pedras, plantas e metais, que aparece no Tratado Mágico de Salomão. Bom, uma vez que a chave para se executar a feitiçaria goécia salomônica com proficiência é o Conhecimento e Conversação com o Espírito Tutelar (leia-se diabo pessoal), como fazê-lo?
Através de uma minuciosa e aprofundada averiguação astrológica. É sobre isso o tema do vídeo.
Táta Nganga Kimbanda Kamuxinzela
Cova de Cipriano Feiticeiro
Templo de Quimbanda Maioral Exu Pantera Negra e Pombagira Dama da Noite